Nós, seres humanos, precisamos de algum tipo de rotina. Isso nos organiza, nos dá uma sensação de segurança. Os finais de semana e as férias são bons, entre outras coisas, porque quebram a nossa rotina, mas quem nunca, depois de um longo período de férias, sentiu saudades de sua casa e da sua rotina?
Se adultos precisam de rotina para as crianças ela é fundamental. Sem a rotina as crianças não conseguem se organizar, elas se perdem no tempo, nas atividades. Rotina para as crianças é, acima de tudo, fonte de segurança.
E eis que nos vemos em quarentena e toda a nossa rotina foi interrompida. Não podemos sair e estamos afastados da convivência das pessoas que amamos. Esse momento tem sito desafiador, difícil mesmo, para todos nós. Para as crianças também. Eu diria que para elas pode estar sendo mais difícil, pois elas têm menos recursos para lidar com tudo isso.
Num primeiro momento as crianças gostaram de ficar em casa. Não precisavam ir para escola, não tinham lição, os pais estavam em casa, podiam brincar mais, usar mais o celular e o videogame. Mas aos poucos isso deixou de ser legal e elas se depararam com uma série de descobertas e sentimentos com os quais nem sempre estão conseguindo lidar.
Elas estão com saudades. Saudades dos colegas da escola, dos amigos, dos avós e de todas as pessoas com quem elas conviviam. De um dia para o outro essas pessoas não estão mais. Com a saudades vêm o desejo de reencontrar, a tristeza, a frustração e, até mesmo, raiva de não poder fazer isso.
Elas perceberam que a tecnologia, que é muito boa e que elas dominam, não substitui a presença real, o abraço, o olho no olho. Falar com os amigos, com os avós ou ter aula online não é a mesma coisa.
Elas estão entediadas. Nossas crianças, assim como nós, têm uma rotina cheia de tarefas, horários, afazeres, aulas. Estão ocupadas o tempo todo. Nós desaprendemos e elas não chegaram a aprender a ficar sem fazer nada. É preciso estar entretido o tempo todo. Só que as redes sociais, os vídeos do youtube, os jogos do computador e do celular acabam por deixar de ser interessantes quando estão liberados. Ficar em silêncio, observar o mundo a sua volta, deixar as ideias e os pensamentos fluírem livremente não fazem parte do repertório delas e aí vem o tédio.
Pais e filhos estão tendo uma convivência intensa durante a quarentena. Estão tendo que reinventar a convivência. Pais precisam brincar com os filhos, precisam estar mais disponíveis. Crianças estão aprendendo a ajudar em casa. Mas infelizmente alguns estão percebendo que ficaram tanto tempo numa convivência permeada por horários, compromissos, atividades, que não sabem conversar, escutar… Que a intimidade, aquela que permite ficar ao lado do outro em silêncio, não existe.
Assim como os adultos as crianças estão confusas e com medo. Confusas porque não conseguem entender o que está acontecendo, o que essa quarentena significa e quais serão as suas consequências. Seja porque ouvem os adultos conversando ou assistindo ao noticiário, seja porque acessam nas redes sociais e na internet, as informações chegam até as crianças, mas elas não conseguem interpretar o que ouvem ou leem. Elas têm medo de que os pais percam o emprego, que os pais que continuam trabalhando ou retornam ao trabalho adoeçam, tem medo que as pessoas que amam adoeçam.
Elas estão enfrentando um outro desafio. Estão aprendendo a aprender virtualmente. Sem a escola, estão precisando criar uma nova rotina de estudos e estão tendo dificuldades. Nem todos os pais são bons professores e muitas vezes isso gera estresse.
Elas estão cansadas. Não querem mais ficar em casa. Querem retornar à velha rotina.
Como os pais podem ajudar as crianças a lidar com isso? Antes de tudo é preciso conversar com elas. Perguntar o que elas estão pensando sobre tudo isso, o que elas sabem sobre o vírus e a quarentena, como elas estão se sentindo, se têm algo que as está preocupando etc. É importante que os pais compartilhem com elas os seus sentimentos. Falem que também sentem saudades das pessoas, que também gostariam de poder sair… Podem compartilhar com elas que também sentem medo, mas que sabem que os cientistas estão procurando um remédio/vacina e que vocês estão fazendo tudo o que é necessário para se protegerem. Compartilhar sentimentos tem o objetivo de mostrar às crianças que tudo bem sentir-se dessa forma. Quando falamos sobre nossos medos eles ficam menos apavorantes. Compartilhem, mas passem segurança para elas.
Estabeleçam juntos uma nova rotina com horários para acordar, fazer as lições da escola, brincar, jogar videogame, ajudar nas tarefas da casa. Assim no final do dia elas vão ter a sensação de que o dia foi produtivo. O tempo não vai se arrastar.
Nos momentos de tédio instiguem seus filhos a usarem a criatividade para buscar novas brincadeiras. No início eles vão ter dificuldade, mas depois muitas coisas novas vão surgir. Em vez de brinquedos prontos entreguem papel, tinta, sucata… para que eles possam criar os seus próprios brinquedos.
Compartilhem com eles suas memórias, joguem jogos que vocês jogavam quando era criança, apresentem para ele as suas brincadeiras favoritas de infância.
Não sabemos quanto tempo a quarentena vai durar, nem como será nossa vida depois que ela passar. Estamos lidando com a incerteza. Nesses momentos o mais importante é o diálogo e a colaboração. É percebermos que não estamos sós. Foi assim que chegamos até aqui e será assim que seguiremos em frente.